No Brasil, o número de funcionários públicos é de 11,37 milhões; desses, 6,52 milhões (56,7%) são servidores municipais. No âmbito dos municípios, 40% das ocupações correspondem aos profissionais do “núcleo-duro” dos serviços de educação ou saúde: professores, médicos, enfermeiros e agentes de saúde.
Para aprofundar a discussão sobre a realidade desses servidores responsáveis por entregar tantos serviços públicos, o CLP lançou a série Servidor – Os desafios de quem faz o serviço público acontecer, uma iniciativa de 3 episódios, cada um com foco nos servidores do Executivo de cada nível: municipal, estadual e federal.
O primeiro episódio, sobre o nível municipal, aconteceu na última terça-feira (27) e contou com a participação de Vivian Satiro De Oliveira, Secretária-Adjunta da Secretaria Municipal de Licenciamento de São Paulo; Aline Costa Cavalcante de Rezende, Coordenadora Geral de Recursos Humanos da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro; e José Rodolfo Fiori, sócio fundador da GOVE.
Abaixo, confira os destaques da conversa. Assista o primeiro episódio da série Servidor – Os desafios de quem faz o serviço público acontecer na íntegra:
Servidores municipais sofrem maior controle social pela entrega de bons serviços públicos
Após a Constituição Federal de 1988, que promoveu a construção de um novo arranjo federativo marcado pela descentralização do poder, os municípios ganharam autonomia para se organizar administrativa, política e financeiramente, e assumiram a execução de políticas públicas que antes ficavam a encargo da União ou dos Estados. Ao contrário de outros países com federações distintas, as cidades brasileiras estão à frente de áreas complexas, como saúde e educação.
Assim, as políticas públicas entregues pelos municípios têm uma avaliação e impacto mais imediato, uma vez que os beneficiários estão mais próximos.. Com um gap informacional na atuação de cada ente federativo e os governos de estado ainda distantes da população, há maiores obstáculos para entregar serviços de qualidade. “Por um lado, esse controle é ótimo, mas por outro é complicado. Não há um diálogo do território com os outros entes federados”, afirma Vivian Satiro, Secretária-Adjunta da Secretaria Municipal de Licenciamento de São Paulo.
Para ela, essa falta de coordenação federativa é um dos principais desafios dos municípios hoje. Quando o governo estadual atua diretamente para construir capacidades na ponta, todo o processo de implementação de políticas públicas é facilitado. Vivian acredita que esse alinhamento é essencial para que as cidades consigam se desenvolver e criar condições para transformar a vida da população.
“Há casos de sucesso onde vemos o governo estadual entrando em temas para construir a capacidade de seus municípios. Quando isso acontece, a entrega do serviço é feita com mais qualidade”, explica José Rodolfo, sócio fundador da GOVE. “É o caso do Ceará na educação, por exemplo, onde o governo cearense atua diretamente para melhorar os resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. O caminho é pensar em como organizar e vocacionar melhor o papel do estado”.
Queda na arrecadação prejudica entrega de serviços
Além da maior pressão pela entrega de políticas públicas, os servidores públicos municipais foram atingidos pelo contexto de pandemia e se deparam com queda na arrecadação de receitas.
No Brasil, cerca de 97% dos municípios têm menos de 200 mil habitantes, ou seja, a grande maioria é de pequeno ou médio porte. A arrecadação das cidades brasileiras se divide entre recursos próprios, como a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e Imposto Sobre Serviços (ISS), repasses dos governos federal, com o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), e verbas oriundas dos governos estaduais, como uma participação no bolo do ICMS.
De acordo com o anuário Multi Cidades, divulgado pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP) foi registrada queda de 16,8% na arrecadação do ISS e recuo de 15,8% no Imposto sobre IPTU, no segundo trimestre de 2020 em relação ao mesmo período de 2019. As baixas foram de 5,2% e de 2,8%, respectivamente, no semestre. Enquanto isso, os repasses do FPM no primeiro semestre de 2020 tiveram queda de 9,7%, na comparação com o mesmo período de 2019. O FPM foi reduzido em 19,1%, no segundo trimestre de 2020, conforme dados do relatório.
Segundo o documento, as retrações “justificam-se pela redução do nível da atividade econômica. Aliam-se a esse fator as postergações do parcelamento do IPTU e a suspensão da cobrança da dívida ativa adotadas por algumas cidades”.
“Os municípios já não estavam entregando antes, mas o contexto de pandemia agravou essa situação. Além de não ter ampla tecnologia para o teletrabalho, há municípios que não consegue se organizar para prestar serviços. É preciso pensar em como estruturar consórcios públicos”, explica José Rodolfo.
Os consórcios públicos são arranjos formados entre municípios, como alternativa para fortalecer os entes e evoluir a gestão pública. A cooperação entre os Entes federativos pode ser horizontal (Entes de mesma qualificação) ou vertical (Entes distintos), possibilitando diversas conjugações.
Gestão de pessoas para além de pagamentos e processos burocráticos
A diferença entre estados e municípios também está na formação e capacitação dos servidores. Para Aline, a qualificação no governo do estado é maior, pois os salários são maiores, possibilitando atrair pessoas com melhores formações para os cargos comissionados. Além disso, no âmbito municipal, a área de recursos humanos baseia-se mais na folha de pagamento do que propriamente na gestão de pessoas.
“Dentro da gestão pública, é preciso remodelar bastante a questão dos recursos humanos. Ainda temos um modelo que é compartimentado e separado, que necessita ser interligado. Isso se reflete no quanto poderíamos ter de melhoria, se as ações fossem entrelaçadas e tivéssemos essa intersetorialidade”, explica Aline, Coordenadora Geral de Recursos Humanos da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro.
Para ela, esse contexto reflete na baixa qualidade na entrega de serviços públicos e em políticas públicas mal direcionadas à sociedade. Assim, a principal preocupação na área de recursos humanos é ter uma melhor concepção sobre a gestão de pessoas, olhando a formação do servidor, sua qualificação, seus direitos e benefícios. Ter uma qualidade efetiva do serviço público passa principalmente por melhores instrumentos de desempenho, visando a capacitação do profissional.
“É preciso focar na formação do servidor e qualificá-lo, ter maior transparência nas ações e uma melhor comunicação”, afirma Aline. “Uma comunicação eficaz é essencial para que o profissional que está na ponta, na entrega do serviço, consiga estabelecer uma política pública conforme o que foi planejado e pensado. É preciso ter uma comunicação efetiva e pensar de forma estratégica para ter um planejamento.”
Reforma Administrativa busca economia e ignora formação de servidores municipais
Anunciada no dia 1º de setembro, a Reforma Administrativa contempla uma série de medidas para enxugar os gastos com a administração pública como o fim do regime jurídico único, a criação de 5 modelos de entrada no setor público e o fim de uma série de benefícios, como as férias de 60 dias. As medidas que tratam da melhoria das carreiras públicas, temas como gestão, avaliação, reconhecimento, desenvolvimento e promoção dos servidores ficarão para o conjunto de PLs que o governo ainda irá submeter ao Congresso.
Para Aline, a proposta deveria focar em como será possível entregar um serviço de melhor qualidade e quais ações serão tomadas para diminuir a desigualdade do país, que reflete na questão salarial, na qualidade do serviço e na capacidade financeira.
“Se pensarmos na questão da formação e qualificação do profissional, é preciso melhorar os instrumentos de desempenho. Não pode ser uma questão punitiva. É necessário estabelecer o que se pretende em termos de políticas públicas e o que é possível ser feito para que o profissional entregue bons serviços”, conclui.
Os 3 episódios da série SERVIDOR estão disponíveis no canal de Youtube do CLP. Assista.