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A primavera de Havana

Em pleno verão caribenho, a ilha da “revolução socialista” recebe, de ponta a ponta, fortes ventos por conta da primavera, que balançam as estruturas do governo ditatorial que comanda o país. Mas essa corrente de ar potente não tem a ver com questões ligadas ao campo da meteorologia ou, até mesmo, do meio ambiente. É bem verdade que Cuba muitas vezes sofre por receber a visita indesejada de furacões, mas dessa vez, as estações do ano podem ser cambiadas pelas mãos de seu povo e não por uma questão ligada à natureza.


A primavera de Praga

Conhecida por ser a estação do ano mais agradável, justamente por suas temperaturas amenas e, sobretudo, por ser o período em que a flora encontra condições propícias para desabrochar, a primavera já foi, em pelo menos três momentos históricos da humanidade, tema que saiu do campo ligado a ciência que analisa as questões voltadas ao ecossistema de um país e passou a pauta das análises sociais. Originalmente, a Primavera dos Povos, que ocorreu no ano de 1848 e foi uma série de movimentos revolucionários ocorridos na Europa Central e Oriental, é quem dá início a esse termo. Ela também foi intitulada de Revolução de 1848 e teve em seu cerne um povo que se cansou dos abusos impostos pelos regimes monárquicos da época, que produziram caos econômico, problemas sociais profundos e dor para as populações dessa região. Já no ano de 1968, outro fenômeno social ganha as ruas, a Primavera de Praga, que teve como palco a Tchecoslováquia e durou pouco mais de oito meses. Fazendo parte da União Soviética, os tchecos, liderados pelo eslovaco Alexander Dubcek, que ascendeu ao posto máximo do país quando se tornou líder do Partido Comunista da Tchecoslováquia e apoiado por intelectuais, decidiram fazer reformas no sistema político, promovendo uma “desestalinização” por meio de arranjos ao sistema comunista, que promoveriam flexibilizações ao centralismo econômico e uma gradual abertura democrática. Mesmo contendo força intensa, a Primavera de Praga foi fortemente abafada pelos soviéticos e não surtiu efeito momentâneo.


A primavera Árabe

Além desses dois momentos, outro marcante foi o fenômeno da Primavera Árabe, que ocorreu durante o inverno dos países do Norte da África e acabou se alastrando por todo Oriente Médio. Sobretudo, a importância desses movimentos revolucionários ocorre por serem extremamente recentes. A Revolução de Jasmim, na Tunísia, é o movimento inaugural dos desdobramentos ocorridos durante todo ano de 2011. O estopim de tudo é a autoimolação de Tarek al-Tayyib Mohammad ibn Bouazizi, um rapaz de 26 anos de idade que, por meio da venda de frutas e legumes em um carrinho de mão, sustentava sua família com 8 integrantes, ganhando entre 75,00 e 150 dólares por mês. Morador do município de Sidi Bouzid, Mohammad Bouazizi é o retrato do tunisiano médio, que tenta se sustentar, mas que sofre nas mãos de um país governado por uma ditadura corrupta em todos os seus níveis. Esse ato ocorreu após um fiscal, sistematicamente, cobrar propina para que ele pudesse vender seus produtos. A revolta de Bouazizi foi o combustível para o país entrar em ebulição, o ditador Bem Ali, que ficou por mais de 23 anos no poder, caiu e teve de fugir às pressas, ao perceber que o povo não sairia das ruas sem que ele fosse retirado do poder.

A Primavera Árabe nos proporciona consequências até hoje, seja pelo número de ditaduras que ruíram ou pela Guerra da Síria, que até hoje permanece sangrando o povo daquele país. Em todos os três momentos relatados, governos autoritários e populações revoltadas entraram em choque, causando desde de pequenos estremecimentos, passando por mudanças em modelos políticos e chegando ao derramamento de muito sangue. Mas os ares primaveris podem estar dando as caras mais uma vez aqui no Planeta Terra, justamente numa região paradisíaca do globo e num país que se orgulha de ser o bastião do socialismo idealizado e propalado por Karl Marx.


A primavera de Havana

Desde o domingo do dia 11 de julho de 2021, o povo cubano tomou as ruas em protestos e manifestações, clamando por liberdade política, econômica e social. Por serem raros os momentos em que o povo cubano ocupou as ruas após a Revolução Cubana de 1959, imaginou-se que traumas institucionais pudessem ser um risco para o povo se rebelar. Um momento de atenção, foi quando Fidel Castro morreu e o mundo se perguntou como seria a Cuba pós-Fidel. Mas o Partido Comunista de Cuba (PCC) conseguiu seguir firme no seu projeto, mantendo as rédeas da nação e passando o poder das mãos de outro Castro, o Raul, para o atual presidente do Conselho de Estado de Cuba, Miguel Díaz-Canel, que também acumula a função de Primeiro Secretário do PCC.

Como o regime cubano foi instalado em janeiro de 1959, suas bases de sustentação e o duro regime sofrem por desgaste natural. Entretanto, o povo daquele país demanda por liberdade. O Estado interfere absolutamente em tudo, as regulações invadem direitos individuais e a forma com que a população convive com isso, parece ter chegado à exaustão. O que é marcante nessa possível Primavera de Havana, ou poderemos intitulá-la de Primavera de Cuba, é o fato de em mais de 60 anos ser essa a primeira vez que os cidadãos tomam as ruas de ponta a ponta da ilha, desde pequenos vilarejos, chegando às cidades mais importantes. Além disso, os gritos e o clamor são expressos nas palavras de ordem: “liberdade” e “abaixo a ditadura”.

Além de muita opressão por parte do governo, o catastrófico cenário econômico e as consequências da pandemia servem de combustível para que as manifestações ganhem as ruas. Tudo por lá encontra muita semelhança com as outras primaveras históricas, mas além do que motiva os revoltosos, Díaz-Canel dá sinais parecidos ao de outros ditadores mundo afora, seja por tentar controlar os acessos a internet com o objetivo de interromper as mobilizações e encontrar os líderes das manifestações ou por conclamar, em cadeia nacional de TV, que seus apoiadores tomem as ruas para confrontar quem questiona seu governo. Não sabemos o que reserva o futuro desse paraíso caribenho, mas uma coisa é certa, eis que a ditadura cubana vive um grande desafio, talvez o maior de sua existência e eis que seu povo tem a grande chance de encontrar a liberdade, mas para isso, é fundamental que consigam trocar as estações do ano, saindo imediatamente do verão e entrando na primavera.

Thomaz Tommasi é Mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local, Pós-graduado em Diplomacia e Relações Internacionais e Líder MLG pelo Master em Liderança e Gestão Pública do CLP.

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