Neste artigo, indicaremos iniciativas existentes nos governos que apoiam ou criam condições para a inclusão de pessoas com deficiência (PCD), como forma de destacar boas práticas, que podem e devem se tornar mais frequentes na nossa sociedade. Assim, espero contribuir para a reflexão necessária sobre a responsabilidade de cada um de nós acerca da temática.
Recentemente em um curso de gestão estratégica de recursos humanos, ouvi da professora alemã Dra. Beatrix Behrens – durante sua apresentação sobre o novo trabalho (pós-pandemia) e a força de trabalho diversa – a terminologia antidiscriminação, que me chamou a atenção, pois o conceito foi além das discussões usuais acerca de inclusão, diversidade e toda a gama de atributos correlacionados à questão.
Antidiscriminação não se restringe ao ato de não discriminar, mas sim, refere-se à promoção do combate das atitudes discriminatórias de outros, contribuindo assim, de forma mais prática para a cultura da inclusão.
Nesse sentido, antidiscriminação pode então ser considerado um termo mais imponente, forte e eficaz, tendo em vista que exige uma ação dos envolvidos: a ação de promover a inclusão.
Afinal, de quem é o papel de promover a inclusão?
Inicialmente, a tendência é acreditar que o papel da promoção de inclusão é essencialmente dos políticos e governantes, pois faz-se necessário a determinação por lei, considerando os diversos conflitos existentes no cotidiano da sociedade. Mas, na prática, sabemos que não é suficiente.
Já presenciei situações, onde apesar da premissa de se respeitar a legislação, caso contrário, inclusive, o profissional poderia ser penalizado; o preconceito estava ali, gritante e praticado no dia a dia, quando o colega diferente era excluído do Bom dia/Boa tarde nos corredores, da participação em um grupo de trabalho, do momento do cafezinho, dos convites para o happy hour…
Considerando essa realidade, que infelizmente ainda não é incomum, mas principalmente, os estudos apresentados pela Dra. Behrens, é claro a importância do envolvimento de vários atores no processo de antidiscriminação, para que se tenha o efeito desejado. Ou seja, percebe-se que a iniciativa não se restringe à governos, políticos ou terceiros, na verdade, a inclusão é mais uma questão de atitude.
Leia também: Diversidade e Inclusão no setor público: por onde começar?
A inclusão de pessoas com deficiência nas organizações públicas
No mundo pós-pandemia, aqui pensando-se especialmente no contexto das organizações públicas, a Dra. Behrens destaca a necessidade de se construir e fortalecer uma força de trabalho mais diversa com a maior variedade possível de capacidades para assim darmos conta de todas as demandas existentes no setor público.
Nesse sentido, o papel das unidades de Recursos Humanos dessas organizações precisa se tornar mais estratégico e assim, mais formativo e sustentável.
“A chave do sucesso está na diversidade. Um mundo cada vez mais interconectado nos aproxima mais. Nós, de fato, diferimos quanto à origem e cultura, idade, gênero, orientação sexual e identidade, crenças religiosas e visões de mundo e nossas habilidades físicas e faculdades mentais. Mas por mais que sejamos diferentes, o que temos em comum, é tão grande quanto isso.” Charta der Vielfalt , Alemanha.²
Iniciativas que promovam efetivamente a inclusão, além de ser uma questão de humanidade, favorecem potencialmente as instituições tendo se em vista a comprovada oportunidade de se melhorar o desempenho dessas, por meio da diversidade de seu corpo técnico e stakeholders.
PCD nas organizações públicas
Como exemplo de iniciativas alinhadas à essa visão, podemos citar inicialmente o Programa de Inclusão de Pessoas com Deficiência, da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), que é alicerçado em 4 eixos de ação: Inclusão Social e Funcional, Inovação e Educação Inclusiva, Acessibilidade Arquitetônica e Urbanística, e Acessibilidade Comunicacional e Tecnológica.
Ações assertivas como possibilitar o acesso e a permanência de estagiários com deficiência em todas as unidades da Enap, adaptar os mobiliários, oferecer serviços de audiodescrição e libras nos eventos realizados pela instituição, bem como, nas suas produções audiovisuais, entre outras mais, podem ser consideradas significativas, pois buscam especialmente, tirar as PCD da usual invisibilidade a que são submetidas.
Ainda nesse contexto, também vale a pena citar o Programa de Acessibilidade e Inclusão (PAI), do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), que busca contribuir com a conscientização, o desenvolvimento e a promoção de ações relacionadas à acessibilidade e inclusão de servidores, usuários e demais colaboradores com deficiência e mobilidade reduzida no âmbito do Poder Judiciário deste Estado.
É interessante citar que essa instituição criou desde 2018, uma Comissão Permanente de Inclusão e Acessibilidade, vinculada à Presidência do TJPE, composta por magistrados, servidores das áreas de recursos humanos, saúde, tecnologia, comunicação e engenharia, além de servidores com deficiência ou que tenham filhos com deficiência, visando assim manter consistentemente ações, que promovam a acessibilidade ao tribunal, seja referente aos colaboradores ou ao público externo, por meio da escuta ativa e constante de todos.
A partir de tal iniciativa, várias ações já obtiveram sucesso, tais como: acessibilidade nos principais prédios do TJPE, adequação de tecnologias assistivas, cursos de libras para servidores lotados em áreas estratégicas, formação continuada buscando conscientizar e quebrar barreiras referentes à antidiscriminação.
Como o Governo Federal age para a inclusão de pessoas com deficiência?
A importância de políticas públicas voltadas para as PCD no Brasil fica evidente quando consultamos o último censo demográfico e constatamos, que cerca de 24% da população brasileira se reconhece como pessoa com deficiência, ou seja, 45 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência.
Para atender tal demanda, podemos considerar, que desde a Constituição de 88, os legisladores buscaram nortear políticas de inclusão em nosso país, entretanto, práticas de relevante alcance e sucesso ainda não são plenamente conhecidas. Ao contrário, recentes notícias na mídia registram que apesar da legislação vigente, como a Lei de Cotas, o setor público é o que menos preenche cotas de vagas para pessoas com deficiência, e ainda, pessoas com síndrome de Down, por exemplo, não conseguem acesso direto ao trabalho no serviço público.
Essa última notícia inclusive, publicada na Folha de São Paulo, registrou um cenário preocupante: no âmbito de servidores públicos concursados, não haveria profissionais concursados com deficiência intelectual em nenhum estado brasileiro! Tal matéria repercutiu de forma tão séria, que a partir do último mês de março, a Justiça do Trabalho iniciou a promoção de ações afirmativas para inserção de profissionais com Down nos contratos de terceirização gerenciados por eles, bem como, a divulgação de orientações visando contribuir e incentivar a inserção de pessoas com Down no mercado de trabalho.
Ademais, tem a intenção de iniciar diálogos com entidades que apoiam a causa, como meio de avaliar parcerias e iniciativas com potencial de ampliação quanto a ações de inclusão.
Nesse contexto, devemos registrar que também muito recentemente, em 2020, o Governo Federal lançou o projeto “Brasil Inclusão”, iniciativa que busca regulamentar, por meio de uma plataforma de cadastro único, medidas no campo da empregabilidade e outras ações beneficiando as PCD.
Devemos ressaltar que tal projeto veio ao encontro de uma legislação também muito recente: a Lei n. º 13.146, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, sancionada em 2015, voltada para tratar das especificidades das pessoas com deficiência buscando garantir a prioridade absoluta sobre seus direitos.
Nesse contexto, no mês de março deste ano foi lançado também pelo Governo Federal, o Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Cadastro – Inclusão), ferramenta que busca minimizar a burocracia, maior eficiência e reduzir custos proporcionando, acima de tudo, mais e melhor acesso de PCD a políticas públicas.
PCD nos Estados e Municípios
Uma das iniciativas promotoras da inclusão mais recentes em municípios foi lançada em Campinas (SP). Trata-se do app Cittamobi, aplicativo disponível no município desde 2015, mas que foi atualizado, em março deste ano, com ferramentas voltadas para o uso e a mobilidade de pessoas com deficiência visual, tais como: assistente de voz; possibilidade de interação por tela ou áudio; consulta de pontos de ônibus, horários e itinerários das linhas sugerindo as melhores rotas de deslocamento – utilizando coletivo ou caminhando – sendo que neste último, emite alertas sonoros indicando obstáculos no percurso; além de outras funções.
Tal iniciativa pode ser considerada significativa tendo em vista, apontamentos do IBGE, que no município de Campinas seriam aproximadamente 30 mil pessoas com alguma deficiência visual.
No âmbito dos Estados, em dezembro de 2021, o Governo de Minas Gerais lançou projeto de emissão de Carteiras de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), que são disponibilizadas de forma digital ou presencial, visando contribuir com os mineiros com o referido transtorno (TEA) quanto a sua segurança e autonomia, uma vez que, o documento é um instrumento oficial de comprovação material para a PCD usufruir de seus direitos de acesso à serviços e prioridade de atendimento.
De janeiro a março de 2022 já foram emitidas 2.555 carteiras, que tem auxiliado as pessoas com TEA e seus familiares, no acesso a serviços, bem como, a compreensão de terceiros quanto à condição especial das pessoas com esse transtorno.
“Mais que um documento, a Ciptea representa uma política pública de inclusão social e de proteção de direitos. É uma conquista da sociedade e, especialmente, das pessoas com transtorno do espectro autista”, afirma o Subsecretário de Direitos Humanos de Minas Gerais, Duílio Campos.” (https://www.agenciaminas.mg.gov.br).
Como estruturar políticas públicas para a inclusão de pessoas com deficiência?
O número de iniciativas promotoras da inclusão de PCD registrados neste artigo, pode ser considerado um indício de que algo não anda bem quanto às políticas públicas neste âmbito. Sem sombra de dúvida percebemos uma preocupação maior dos governos em legislar a favor dos direitos das PCD, como meio de fomentar seus direitos e sua inserção na sociedade, entretanto, é notório não ser suficiente.
Programas realmente estruturados com a diversidade necessária de ações efetivas, consistentes e contínuas voltadas para a inclusão das PCD ainda não são realidade na maioria dos Estados e Municípios. Devemos lembrar da necessidade dessas políticas públicas abarcar as diferentes necessidades das PCD, uma vez que, mesmo as iniciativas aqui registradas focam na acessibilidade de uma ou outra deficiência, o que não é adequado.
A partir das orientações da Dra. Behrens fica aqui a sugestão de se iniciar um movimento nas unidades de Recursos Humanos das diversas organizações públicas em nosso país, voltado para ações de antidiscriminação, o que poderá servir de referência para o desenho de políticas públicas de inclusão das PCD, mais abrangentes e que atinjam diretamente a sociedade como um todo
E se você quer contribuir para este movimento, nos mande a indicação de iniciativas de sucesso para inclusão da política pública na Casoteca do CLP! Assim contribuímos com a disseminação e ampliação das boas práticas existentes. E, no Guia de Diversidade do CLP, você encontra mais informações sobre como trabalhar a inclusão de pessoas com deficiência na sua organização.